quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

A internet não é ringue

Revista Info Exame, número 238, janeiro de 2006, seção ZAP!, página 34

A INTERNET NÃO É RINGUE

Quer quebrar o pau, mandar ver, detonar a outra parte?
Faça isso pessoalmente
(Dagomir Marquezi)

Você já discutiu relação por e-mail? Não discuta. O correio eletrônico é uma
arma de destruição de massa (cerebral) em caso de conflito. Quer discutir?
Quer quebrar o pau, dizer tudo o que sente, mandar ver, detonar a outra
parte? Faça isso a sós, em ambiente fechado. Pessoalmente a coisa pode pegar
fogo, até sair agressão verbal e até mesmo física. Mas a chance maior é que
vocês terminem praticando o melhor sexo do mundo e trocando juras de amor
eterno.

Brigar por e-mail é muito perigoso. Existe pelo menos um par de boas razões
para isso. A primeira é que você não está na frente da pessoa. Ela não é
"humana" a distância, ela é a some de todos os defeitos. A segunda razão é
que você mesmo também perde a dimensão da sua própria humanidade. Pelo
e-mail as emoções ficam no freezer e a cabeça no microondas. Ao vivo, um
olhar ou um sorriso fazem toda a diferença. No e-mail todo mundo localiza
"risos", mas ninguém descreve "choro".

Eu sei disso, porque cometi esse erro. Várias vezes. Nunca mais cometerei,
espero. Principalmente quando você ama de verdade a pessoa do outro lado. Um
tiroteio de mensagens escritas tende à catástrofe. Quando você fala na cara,
as palavras ficam no ar e na memória, e uma hora acabam sumindo de ambos.
"Eu não me lembro de ter dito isso" é um bom argumento para esfriar as
tensões. Palavras escritas ficam. Podem ser relidas muitas vezes.

Ao vivo, você agüenta berros te mandando ir para e/ou tomar em algum lugar.
Responde no mesmo tom rasteiro. E segue em frente. Por email, cada frase
ofensiva tende a ser encarada como um desafio para que a outra parte escolha
a arma mais poderosa destinada ao ponto mais fraco do "adversário". Essa
resposta letal gera uma contra-resposta capaz de abalar os alicerces do
edifício, o que exigirá uma contra-contra-resposta supreendente e
devastadora. Assim funciona o ser humano, seja com mensagens, seja com
bombas nucleares.

Ao vivo, um pode sentir a fraqueza do outro e eventualmente ter o nobre
gesto de poupar aquelas trilhas de sofrimento e rancor. Ao vivo, o coração
comanda. Por e-mail é o cérebro que dá as cartas. E só Deus sabe o quanto
podemos ser inconseqüentes e cruéis quando entregamos o poder ao nosso
segundo órgão preferido, segundo a sábia definição de Woody Allen.

E tem o fator fermentação. Você recebe um e-mail hostil. Passa horas
intermináveis imaginando que será a terrível, destrutiva resposta que vai
dar. Seu cérebro ferve com os verbos contundentes e adjetivos cruéis que
serã usados no reply. Aí você escreve, e reescreve, e reescreve de novo, e a
cada nova versão seu texto está mais colérico, e horas se passam de
refinamento bélico do seu texto até que você decida apertar o botão do Juízo
Final, no caso o Enviar. Começam então as dolorosas horas de espera pela
resposta à sua artilharia pesada. É uma angústia saber que você agoraé o
alvo, imaginar que armas serão usadas. E dependendo do estado de
deterioração das relações, você poderá enlouquecer a ponto de imaginar a
resposta que vai dar à mensagem que ainda nem chegou.

E por isso que eu aconselho, especialmente aos mais jovens: se for para
mandar mensagens de amizade, se é para elogiar, se é para declarar amor, use
e abuse dos meios digitais. E-mail, messenger, chat, scraps, o que aparecer.
Mas se for para brigar, brigue pessoalmente. A não ser, claro, que você
queira que o rompimento seja definitivo. Aí é só abrir uma nova mensagem e
deixar o veneno seguir o curso.

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