sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

País ilusório

PAÍS ILUSÓRIO

(Prof. Marcos Coimbra)
Membro Efetivo do Conselho Diretor do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (CEBRES), Professor aposentado de Economia na UERJ e Conselheiro da ESG.


O Sr. Inácio da Silva, em seu pronunciamento de final de ano, teceu considerações extremamente otimistas, como é do seu hábito, sobre a conjuntura nacional, bem como uma visão prospetiva rósea. Parece que falava de um país imaginário, bem distante da triste realidade vivenciada pela povo brasileiro, com raras exceções. Ora, partindo-se dos mesmos dados, um analista de oposição apresentaria uma visão menos alvissareira. De fato, existem sempre três verdades. A verdade entendida como tal por aqueles que estão no poder, a daqueles que estão em oposição, e a verdade verdadeira.

Sem dúvida, a conjuntura internacional favorável, já há algum tempo, facilitou em muito o comportamento da economia brasileira.

Porém, existem sinais claros de que, a partir de 2008, este quadro passará a sofrer uma reversão de expectativas. Os EUA podem passar por uma "estagflação", segundo a opinião de especialistas no assunto. A crise da "subprime" ainda não está solucionada. Pelo contrário. Seus reflexos continuam a propagar-se, com efeitos multiplicadores em outros centros de poder econômico. Sabendo-se que a economia norte-americana representa algo próximo a 28% do PIB mundial, evidentemente que a crise provoca e continuará a provocar reflexos na economia mundial, em parte compensados, por enquanto, pelo comportamento de alguns BRICs, como a China e a Índia, em especial.

De qualquer modo, teremos uma realidade menos favorável, a partir de agora, em termos de comportamento de variáveis exógenas. Na expressão econômica, podemos deduzir que haverá uma diminuição acentuada no saldo da balança comercial para valores inferiores a US$ 30 bilhões, com a conseqüente inversão do sinal do saldo do balanço de pagamentos em transações correntes, que passará a ser negativo em algo em torno de US$ 3 bilhões. A taxa real de juros continuará a ser indecente, acima de 7%, uma das três maiores do mundo. A carga tributária permanecerá crescendo, apesar da retirada da CPMF, podendo alcançar um patamar de 37% do PIB. O "apagão" logístico continuará a impedir qualquer chance de crescimento do PIB acima de 5% ao ano. Persistirá a criação de empregos de baixa qualidade, com remuneração abaixo de 3 SM, com cerca de 50% da população considerada ocupada atuando na economia informal. O crédito irresponsável, uma das maiores causas do aquecimento do mercado interno, ao lado da concessão de "bolsas esmolas", provocará conseqüências preocupantes, como o aumento da inadimplência dos endividados. O real valorizado em demasia continuará a provocar danos ao processo de industrialização do país. A ausência de uma adoção da meta de pleno emprego na economia brasileira não pode persistir.

Na expressão psicossocial, presenciamos o caos em seus principais segmentos. Na educação, "formamos" quantidade e não qualidade. Os resultados nas últimas avaliações demonstram o desprezo pelo conhecimento, principalmente no relativo aos profissionais da área, mal remunerados, sem treinamento adequado, sem perspectiva. Também o que esperar de quem se orgulha de ser ignorante e ressalta a aversão pela leitura. Na saúde, os hospitais públicos parecem câmaras de tortura. Os recursos, já insuficientes, quando não são desviados, são mal aplicados. Os profissionais do setor são vilipendiados, chegando-se a tentar a implantação de um novo modelo de "fundações", para privatizar o setor público. Na segurança, criam-se a cada dia mais "forças policiais" e o resultado é pífio. O cidadão, agora proibido de exercer seu direito natural de legítima defesa, sente-se abandonado, a mercê dos marginais de todo tipo que o achacam de diversos modos.

Na expressão científico-tecnológica, o volume de investimentos em pesquisa não ultrapassa 1% do PIB, em termos reais. A criatividade não é estimulada, nem há ambiência favorável à P&D, com raras exceções. O Brasil torna-se cada vez mais dependente da tecnologia alienígena. Na expressão militar, o panorama é assustador. As três Forças Armadas estão a cada dia mais desarmadas. Fica evidente que elas estão sendo punidas por quem as suporta, mas gostaria de eliminá-las. As remunerações dos seus integrantes não acompanham o ritmo das demais carreiras de Estado. Acentua-se a evasão de bons profissionais. O equivocado ministério da Defesa continua a demonstrar que nada entende do ramo, nem quer entender. Nossos vizinhos iniciam uma corrida armamentista, sob diversos pretextos e continuamos com material de 30 anos atrás. Nossa indústria bélica foi extinta. Perdemos a cada dia nosso poder de dissuasão e continuamos a ser afrontados por aventureiros.

Na expressão política, o Executivo foi aparelhado partidariamente. Quase quarenta ministérios e mais de 30.000 "cumpanheiros" nomeados por compromissos políticos e não por mérito. O Legislativo, em especial a Câmara dos Deputados, é submisso aos desejos do Executivo. Seus integrantes dependem de verbas orçamentárias federais. Praticamente inexiste oposição. O Judiciário, em sua esfera superior, já possui quase a metade de seus componentes nomeada pelo Sr. Inácio. A corrupção está generalizada. Urge um esforço das forças vivas da Nação para reversão deste quadro.

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