Extraído de: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0202200805.htm
Descoberta acidental leva a tratamento para memória
Britânicos testam implante de eletrodo no cérebro
JEREMY LAURANCE
DO "INDEPENDENT"
Cientistas que realizaram uma cirurgia cerebral experimental em um homem de 50 anos tropeçaram com um mecanismo que pode revelar como a memória opera.
O avanço acidental ocorreu durante um experimento cujo propósito original era inibir o apetite de um homem obeso, empregando eletricidade. Eletrodos foram inseridos no cérebro do paciente e então ligados. Em lugar de perder seu apetite, o paciente viveu uma intensa experiência de "déjà vu". Ele se recordou, em detalhes, de uma cena ocorrida 30 anos antes. Outros testes revelaram que sua capacidade de aprender teve uma melhora dramática quando a corrente foi ligada, e seu cérebro, estimulado.
Agora cientistas estão aplicando a técnica no primeiro teste clínico do tratamento com doentes de Alzheimer, oferecendo a eles uma espécie de "marca-passo" cerebral. Três pessoas já foram submetidas ao tratamento, e os resultados iniciais são promissores, de acordo com Andrés Lozano, professor de neurocirurgia no Hospital Toronto Western, em Ontario, que chefia a pesquisa.
Lozano explicou: "Esta é a primeira vez em que se implantam no cérebro de uma pessoa eletrodos que comprovadamente melhoram a memória. Estamos estimulando a atividade do cérebro, aumentando sua sensibilidade em elevar o volume dos circuitos de memória. Qualquer evento que envolva os circuitos de memória terá maior probabilidade de ser guardado e retido."
A descoberta pegou Lozano e sua equipe "completamente de surpresa", disse o professor. Eles estavam operando o paciente, que pesava 190 quilos, para tratá-lo da obesidade, localizando o ponto no cérebro que controla o apetite. Todas as tentativas anteriores de reduzir seu consumo de alimentos tinham fracassado, e a cirurgia cerebral era o último recurso.
O tratamento fracassou como combate à obesidade. Mas, enquanto os pesquisadores identificavam potenciais pontos de supressão do apetite localizados no hipotálamo, a parte do cérebro associada à fome, o homem de repente começou a dizer que sua memória estava retornando com grande força.
"Ele relatou a experiência de estar num parque com amigos de sua época de 20 anos de idade, e, quando a intensidade dos estímulos aumentou, os detalhes se tornaram mais nítidos. Ele reconheceu sua namorada da época. A cena era colorida", escreveram os cientistas em estudo na revista "Annals of Neurology", na quarta-feira.
O paciente também foi testado para sua capacidade de memorizar listas de objetos em pares. Após três semanas de estímulo contínuo do hipotálamo, seu desempenho em dois testes de aprendizado teve uma melhora significativa. Ele também memorizava melhor uma lista de objetos não relacionados em pares quando os eletrodos estavam ligados.
"O desempenho dele apresentou melhora dramática", disse Lozano. "Quando intensificamos a corrente, primeiro estimulamos seus circuitos de memória e melhoramos sua capacidade de aprendizado. À medida que aumentávamos a intensidade da corrente, ouvíamos recordações espontâneas de acontecimentos distintos. A determinada intensidade, ele retornava à cena no parque."
Fora de lugar
A descoberta surpreendeu os cientistas, já que o hipotálamo não costuma ser identificado como sede da memória. Os contatos que mais prontamente geravam as memórias estavam situados perto de uma estrutura chamada fórnix, dentro do chamado sistema límbico, envolvido em memória e emoção.
Lozano já tinha experiência com estimulação cerebral com eletrodos, tendo realizado 400 cirurgias com doentes de Parkinson, e está tentando adaptar a técnica para tratar depressão.
O uso dos eletrodos contra o Alzheimer está na fase de testes de segurança. Três pacientes já receberam os implantes cerebrais. Os eletrodos são ligados por um cabo que desce até uma bateria costurada sob a pele do peito. O "marca-passo" para a memória emite uma corrente elétrica tênue e constante que estimula o cérebro, mas não é percebida pelo paciente.
Outros cientistas elogiaram a descoberta. "Se eles tivessem proposto inserir um eletrodo no hipotálamo para modificar o mal de Alzheimer, eu teria dito "por que começar por ali?" Mas, se fizeram uma descoberta acidental feliz, então isso é ótimo", diz Andrea Malizia, farmacóloga da Universidade de Bristol.
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Tradução de Clara Allain
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