quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Venezuela - um problema no nosso quintal

Venezuela - A crescente ameaça

* Luiz Gonzaga Schröeder Lessa

Quando a Venezuela começa a receber os seus sofisticados materiais de emprego militar, parte do vultoso pacote de 4,4 bilhões de dólares firmado com a Rússia, hoje o seu principal parceiro estratégico, há que se questionar o que planeja com tal poderio militar que desequilibra o balanço de forças, gera intranqüilidade e já motivou o desencadeamento de uma corrida armamentista envolvendo todos os países do continente, inclusive o nosso.

Como nação livre e independente, cabe-lhe se preparar para enfrentar as ameaças que julgar mais atentatórias à sua soberania, sem necessitar de maiores explicações aos seus vizinhos. Todavia, essa seria uma atitude capaz de diminuir as naturais desconfianças que surgem, particularmente, quando o ambicioso projeto em curso contempla materiais de notável capacidade ofensiva, como são exemplos expressivos os 24 jatos Sukhoi, os mais de 50 helicópteros de ataque, potentes blindados BMP-3 em número ainda não definidos, lançadores múltiplos de foguetes, 10 a 15 submarinos classe Amur equipados com mísseis de cruzeiro e torpedos pesados, mísseis aéreos de longo alcance, 100.000 fuzis Kalashinikov, milhares de bombas inteligentes guiadas a laser ou por GPS, modernos sistemas de comando e controle, antiaéreos e outros mais.

Ainda que todo esse material dê à Venezuela um formidável poder de combate, transformando-a no país com maior poderio militar do continente, é ingênuo acreditar, como diz Chávez, que seu rearmamento visa a enfrentar o "império" representado pelos EUA.

Para se contrapor a essa ameaça o que está sendo adquirido é irrisório e em curtíssimo espaço de tempo estaria destruído. Maior resistência poderia oferecer se conduzisse uma guerra de desgaste ao provável invasor, contando com a reação popular e, principalmente, com os cerca de 2 milhões de milicianos em processo de mobilização, subordinados estranhamente não ao Ministério da Defesa, mas ao Comando Geral das Reservas e Mobilização Nacional. Tal comando destina-se a defender o Partido Socialista Unido da Venezuela, o que permite lhe atribuir o papel de guarda pretoriana na eventualidade de um golpe militar contra Chávez.

A campanha que Chávez conduz contra o "império" é desprovida de reais fundamentos e mais parece um blefe para iludir os incautos.

Não se pode lutar contra um país quando se é dele totalmente dependente, como é o caso da Venezuela em relação aos EUA. Basta lembrar que o petróleo, hoje representando 94% das exportações venezuelanas e mais da metade do seu orçamento público, tem como destino principal os EUA, de onde também provêem 80% dos seus produtos importados. Isso faz das críticas contundentes de Chávez um mero jogo de palavras, a traduzir uma insincera e desprezível ameaça, ainda que, aqui e acolá, ocorram escaramuças secundárias como a recente expulsão do embaixador americano de Caracas.

Na expansão da sua República Bolivariana, nos potenciais problemas fronteiriços, especialmente com a Guiana e a Colômbia, nos acordos militares que procura firmar com os países que lhe são ideologicamente próximos, como é o caso do celebrado com a Bolívia, que abre a possibilidade de uma intervenção armada no país e traz grandes preocupações para o Brasil, podemos encontrar algumas justificativas para tamanho poderio militar.

Um aspecto subjacente, mas não menos significativo, em todo esse processo armamentista é a importância que a Rússia ganhou para a Venezuela, como seu principal parceiro estratégico, possibilitando-lhe abrir excelentes oportunidades para o seu expansionismo no continente sul-americano.

Esse objetivo, que há muito vem sendo perseguido pelos russos, se viu frustrado, seja na Intentona Comunista de 1935 no Brasil, seja no período da guerra fria, quando encontrou forte reação à aceitação da doutrina marxista-leninista na área regional.

A então URSS apoiou ostensivamente a Argentina no coflito das Malvinas, em 1982, oferecendo-lhe uma aliança militar, que afinal não se efetivou, com a promessa do fornecimento de sofisticados mísseis e armamentos desesperadamente necessitados pelos argentinos.

Nos dias de hoje, a Rússia vê na Unasul a sua grande chance intervencionista, chegando mesmo a solicitar a sua espúria admissão no recém-criado Conselho de Defesa Sul-Americano da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), na qualidade de observador, conforme noticiado pelo Ministério da Defesa da Argentina, em comunicado de 14 de outubro de 2008.

Também, pediu a inclusão na Associação Latino-Americana de Centros de Treinamento para Operações de Paz (Alcopaz). O mínimo a se dizer é que são muito estranhas tais solicitações e só resta esperar que a Unasul rejeite tão inconvenientes pedidos.

As já acordadas manobras navais russo-venezuelana, previstas para ocorrerem em novembro do corrente ano, com a participação, entre outras, de belonaves de primeira linha como o cruzador de propulsão nuclear Pedro, O Grande e o contratorpedeiro Almirante Chabanenko, trazem para o continente, como uma provocação, aspectos altamente indesejáveis da guerra fria. A Colômbia já manifestou a preocupação com a possível violação do seu mar territorial.

No Brasil, a visita do presidente Dmitri Medvedev, prevista para o final de novembro, é esperada com grande expectativa, quando questões estratégicas e de defesa prometem dominar a agenda.

A íntima cooperação que se estabeleceu entre Moscou e Caracas permitiu ao presidente russo declarar que ela "se transformou em um dos fatores fundamentais da segurança regional".

Embora nossas relações com a Venezuela sejam de excelente nível, a precaução recomenda cautela, em particular, pela fragilidade das nossas forças no dispositivo fronteiriço. As características geográficas de Roraima são altamente favoráveis à guerra de movimento e, presentemente, não temos possibilidade de oferecer tenaz resistência a uma potente coluna de modernos blindados BMP-3, apoiados por uma ameaçadora aviação de caça à base de Suckoi. Nesse cenário, uma guerra aéreo-terrestre nos é altamente desvantajosa.

Urge que o tão propalado Plano de Defesa Nacional, que promete revigorar e modernizar nossas Forças Armadas, seja aprovado no mais curto prazo, saia do papel e se transforme em real vetor dissausório a qualquer ameaça contra o território nacional.

É lastimável a situação das nossas Forças Armadas, que não lhes permite, sequer, o cumprimento das suas missões constitucionais, fragilidade notória que é do conhecimento de todos - opinião pública, Congresso Nacional e Poder Executivo.

O seu estado de degradação chegou a tal ponto que não se trata apenas de repor materiais, mas de se processar uma ampla substituição de praticamente todos os seus armamentos e equipamentos, adequando-se aos tempos modernos e às reais necessidades do País.

De fato, há que se construir um novo Exército, uma nova Marinha, uma nova Força Aérea. O que se pode aproveitar, e aí reside um capital de valor inalienável, é a qualidade dos quadros e da tropa, que tornará possível e mais rápida a indispensável transição para forças armadas atualizadas tecnologicamente detentoras de expressivo poder dissuasório.

O que se teme é que essa manobra logística de grande envergadura, a consumir vultosos recursos, seja inviabilizada pela grave crise econômica mundial que se pronuncia longa e caminha para uma recessão de conseqüências imprevisíveis, com forte impacto no Brasil. De qualquer forma, há que se ativar um Plano B, sob pena de aumentarmos irresponsavelmente as nossas vulnerabilidades, colocando em sério risco as soberania e integridade territorial brasileiras. Com a palavra, o comandante-em-chefe, presidente Lula.

* Luiz Gonzaga Schröeder Lessa é General-de-Exército; comandou o Comando Militar da Amazônia e presidiu o Clube Militar

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