quarta-feira, 7 de maio de 2008

Música: alimento da alma?

(Historiador do cotidiano)

Somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual? Ou seres espirituais vivendo uma experiência humana?

Não importa o ponto de vista, consideramos que possuímos corpo e alma. Enquanto o corpo se alimenta de nutrientes mastigáveis, a alma se alimenta de coisas imateriais. Nutrimos nossas almas com pensamentos e sentimentos. Uma boa conversa com um amigo faz bem, uma raiva no trânsito faz mal, um sorriso faz muito bem, uma dor faz muito mal, uma oração é uma das melhores coisas que podemos fazer por nossa alma.

E a música? De forma geral podemos considerar a música um verdadeiro alimento da alma. Entre acordes e arpejos, entre sustenidos e bemóis, entre cadências e compassos, entre escalas e claves, entre harmonias e melodias... temos um prato cheio para enebriar nossas almas com as cores da música.

Óbvio que não me refiro a coisas como hardrock ou punkrock, mas algo suave como mpb e blues. Então temos músicas que alimentam, e outras que dão verdadeiras indigestões. Dizem - e eu acredito - que "quem canta seus males espanta". Mas afinal qual o aspecto ruim de tudo isso?

O aspecto ruim está no fato de vivermos numa sociedade essencialmente visual. Então nossos outros sentidos são relegados à planos secundários. Não temos mais a cultura do ouvir, então a música - e todo o espectro auditivo - fica em segundo lugar. Trabalhamos ou lemos (ou fazemos tantas outras coisas) com uma música de fundo... com um som ligado lá no quarto.

Você acha que nosso cérebro dá algum descanso? Que ele pára de coletar informações ao nosso redor? Jamais! Tudo é percebido e processado mentalmente. O que acontece é que somente trabalhamos - em nível consciente - com poucos elementos, e todos os demais passam para nossa mente e alma de forma subliminar.

Você já deve ter sentido aperreio sem saber porque, e sem ter prestado atenção que ouviu uma sirene de ambulância. Ou deve ter sentido frio (ou calor) durante um filme mas não saiu do sofá só porque a experiência visual estava melhor. E nisso você cria conexões mentais associativas entre elementos percebidos à margem dos processos conscientes. Ou seja, você tem cognição do ambiente ao seu redor de forma subliminar.

O efeito mais prático disso é a música, alimento da alma, que ouvimos enquanto estamos no computador. Como a informática é uma experiência essencialmente ótica, as músicas que ouvimos entram em nossa mente num segundo plano, de forma subliminar.

Agora comece a prestar atenção nas letras das músicas que você escuta. Quando alguém está mau eu recomendo imediatamente a suspensão do rock, e a escuta de músicas de axé.

Por que? Porque na realidade o que acontece é uma minilavagem cerebral: Enquanto você se ocupa de alguma tarefa visual, aqueles códigos musicais vão entrando na sua cabeça. Se você escuta muitas músicas com letras tristes, você finda ficando triste sem saber o motivo. É bem simples: porque a tristeza da letra entrou de forma subliminar no seu cérebro. O oposto também é verdadeiro: se você escuta músicas alegres, a alegria delas contagia você de forma subliminar.

Vamos analisar rapidamente algumas letras... comecemos pelo clássico dos anos 80/90 Legião Urbana: uma de suas músicas mais famosas é "Pais e Filhos". Em um dos trechos eles cantam que "Quero colo / Vou fugir de casa". Poxa, que incentivo ficar ouvindo subliminarmente que a banda preferida diz que qualquer problema emocional é motivo de fugir de casa. No refrão o absurdo continua: "É preciso amar as pessoas / Como se não houvesse amanhã / Por que se você parar pra pensar / Na verdade não há". Se não há amanhã, para que estamos trabalhando hoje? Se você descontrói (ou destrói) a expectativa de futuro, você cria seres-humanos vazios e sem objetivos, que não se importam mais com deixar um legado para seus filhos e netos.

Está bom dessa bandinha. Vamos ver outra... Titãs... outra bosta. Uma das músicas se chama "flores" e diz assim: "Os punhos e os pulsos cortados / E o resto do meu corpo inteiro", ou seja, incentivo aos jovens a cortarem os pulsos imitando os seus "heróis". No refrão as idéias sem-noção continuam: "A dor vai curar essas lástimas". Desculpa, não entendi... sério mesmo que o cara quer sofrer para poder ficar de bem com a vida? Não pode simplesmente ficar de bem sem sofrer? Que masoquismo é esse? E como se não bastasse, eles ainda têm uma música chamada "O Pulso"... acho que nem se eu trabalhasse num hospital ouviria sobre tantas doenças de uma só vez. Quem é que quer ouvir música fazendo apologia às doenças? Eu não quero!

Paralamas do Sucesso? Bem, já temos uma pequena melhora. Na música "Cuide bem do seu amor", o refrão diz: "Cuide bem do seu amor / seja quem for". Isso é bonito: ame, ame mesmo ao seu próximo, sem se importar com preconceitos ou castas.

Cidade Negra? Os caras são bons, e demonstram que esforço é o caminho. Na música "A Estrada" a primeira estrofe diz: "Você não sabe o quanto eu caminhei / Pra chegar até aqui / Percorri milhas e milhas antes de dormir / Eu não cochilei / Os mais belos montes escalei / Nas noites escuras de frio chorei". Uma verdadeira poesia cantada. Eles admitem que o passado pertence a quem o viveu, mostram que percorreram um longo caminho e perseveraram na busca, não cochilaram ou se distraíram e sim seguiram os objetivos. Mostram também que o topo das montanhas é bonito para quem têm a determinação de as escalar (entendam essa frase no sentido figurado); E terminam por admitir que somos seres frágeis, e em nossas buscas podemos sentir frio ou chorarmos, mas isso não desmerece nossos esforços - pelo contrário - reforça nossa vontade e determinação de chegar ao topo da montanha.

Então percebemos que nossa flora musical brasileira tem músicas para todas as faunas. Cabe à você escolher qual melhor estilo musical e/ou banda para ouvir num determinado momento, mas lembre-se: praticamente tudo que você escuta entra de forma subliminar e é captado subliminar - mas efetiva e eficientemente - pelo nosso cérebro.

Se você for para o outro oposto... músicas de axé. Vamos começar por Ricardo Chaves com sua música "Sexta-feira", que a primeira instância diz assim: "No fim da tarde de sexta-feira / se o tempo não mudar / nos bares da cidade inteira / as coisas vão rolar". O que Ricardo Chaves deixa bem claro é a empolgação, a animação para sairmos do trabalho e irmos a um barzinho confraternizarmos com os amigos. Por mais que você ame seu trabalho, sempre terá alguns dias chatos. Mas a música nos anima a sairmos, a recomeçarmos, a nos divertirmos em qualquer parte da cidade. Por que? Porque ser feliz vale a pena!

Outra do Ricardo Chaves é "De bem com a vida". Ele começa com "Se é pra balançar na multidão? / Eu tô / Se pra palpitar o coração? / Eu vou / Se você for comigo eu vou ficar feliz". Bacana, de verdade! Primeiro a música começa dizendo que topa tudo, sem tempo ruim, seja balançar na multidão, seja palpitar o coração, enfim seja o que
for. E ele não é egoísta em guardar aquela alegria pra si só, muito pelo contrário, ele diz que vai ficar feliz se forem juntos, compartilhar a alegria, diversão e felicidade.

Vamos a outra banda... Asa de Águia tem uma música chamada "Te dar meu mundo", onde Durval Lélys canta: "Não sei pra que tanta pressa amor / Se a gente tá feliz". Poxa, é isso mesmo, para que termos pressa quando estamos felizes? Essa vida moderna exige muito de nós, que tenhamos tempo para mil e uma coisas, que sejamos perfeitos e super produtivos, e esquece do tempo que precisamos para nós mesmos... A vida moderna nos faz esquecer do tempo que precisamos para sermos felizes. E a música resgata isso, ao mostrar que felicidade não tem pressa. Hoje em dia quem vive melhor é quem ama e é amado, é quem sabe ter seu tempo, e sabe ser feliz. E a música resgata isso com uma maestria digna de um Câmara Cascudo (óbvio, guardadas as devidas proporções).

E Netinho? Na música "Barracos" ele é categórico: "Ai, eu não quero ver o dia / Dessa zorra desabar". E isso serve para cada um de nós... devemos pensar e agir somente com coisas boas, não precisamos ficar nos martirizando com tristezas ou com bagunças prontas a se desmancharem. Viver é alegria, é o prazer da felicidade, então por que se prender às coisas potencialmente tristes?

Fica claramente demonstrado como algumas músicas são indigestas - até mesmo venenos - e outras são verdadeiros alimentos para a alma.

A próxima vez que você for ouvir música e esquecer ela lá tocando... vai preferir algo depressivo ou músicas que lhe dão força e te fazem bem?

Pense bem... a sua resposta refletirá sua personalidade, e você pode não gostar do que vir no espelho sonoro.





Abraços, e uma excelente quinta-feira pra ti!

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