Extraído na íntegra de: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2009/03/14/ult2682u1105.jhtm
14/03/2009 - 00h03
Coordenadas de GPS são o novo destino de viagens
(Por: Stephan Orth)
Mapas são coisa do século passado. Hoje em dia, aventureiros com aparelhos de GPS estão conquistando novos territórios - as coordenadas dos mapas. No selvagem inverno russo, você pode ir aonde ninguém esteve antes, por exemplo, 59 graus norte, 35 graus leste.
Existem certos sons que um esquiador de cross-country definitivamente não quer escutar, especialmente quando o destino do dia está a 15 quilômetros de distância na natureza coberta de neve da Rússia. O rugido de um urso pardo - caçadores mataram dois não longe daqui no último outono - seria um desses sons. Outro seria o rosnado de um lobo.
Mas Vladimir Chernorutsky está preparado para animais selvagens. Ele trouxe uma pequena arma para espantar animais, vários disparadores de foguetes de artifício e uma dúzia de bombinhas de uma marca chamada "Morte Negra". Ele pretende usá-las se for necessário para assustar os predadores.
Mas um som especialmente desagradável, para o qual Vladimir não está preparado, é um estalo como o de um galho se quebrando, que ocorre exatamente a 59°01'01.8" de latitude norte e 35°03'57.9" de longitude leste, em uma solitária tarde de sábado. É o estalido seco de um esqui se partindo ao meio, logo atrás do calcanhar.
"Dimitri vai matar você", é a primeira reação de Vladimir ao acidente. Dimitri é o dono desses esquis estreitos de madeira branca e foi muito gentil de emprestá-los durante dois dias. Mas assassinato nas mãos de um moscovita furioso não é realmente o problema mais urgente nesse momento, já que Moscou está a cerca de 500 quilômetros de distância. O problema mais imediato está à frente, na forma de um enorme pântano que só pode ser atravessado no inverno, quando está congelado e coberto de neve.
O destino da viagem está no lado oposto do pântano, a cerca de 4,5 km de distância. O objetivo não é um pico de montanha nem um ponto com uma paisagem maravilhosa, mas uma coordenada geográfica: 59° norte, 35° leste. E Vladimir quer ser a primeira pessoa a atingir exatamente essa intersecção de linhas de latitude e longitude.
"Nerds" de geografia e exploradores amadores
"Caça de confluências" é o nome desse jogo, e a aventura começa com um equipamento de GPS para encontrar os pontos coordenados. A idéia foi de um americano chamado Alex Jarrett. Em fevereiro de 1996, Jarrett dirigiu pelos EUA em um carro com dispositivo de GPS, tirando fotos dos pontos onde se cruzam linhas de latitude e longitude com números inteiros. Então ele publicou essas fotos em um site na web. Outros viajantes amigos da tecnologia gradativamente seguiram seu exemplo, criando um "mapeamento organizado do mundo", como Jarrett chama a coleção global de fotografias e relatórios enviados por "nerds" de geografia e exploradores amadores.
"A idéia é conhecer um país não através de um guia, mas de mudanças na paisagem vistas a intervalos regulares, de intersecção em intersecção", diz Vladimir. O matemático de 48 anos, pai de dois filhos, é um assessor financeiro de várias empresas da Internet, mas também trabalha colateralmente como coordenador russo da confluence.org. Até agora ele visitou 80 pontos de confluência (CPs, na sigla em inglês) e foi o primeiro a alcançar 48 deles. "Eu costumava fazer isso no caminho quando estava de férias, e também um pouco de admirar paisagens", ele explica. "Mas ultimamente os próprios CPs têm sido o motivo da viagem."
Na verdade, não importa muito se há algo interessante para ver no destino dessa caçada guiada por satélite. Em um mundo onde há cada vez menos lugares não mapeados e visitados, esse tipo de expedição por GPS é uma oportunidade para uma pessoa comum se tornar um explorador. As pessoas viajaram à lua, ao topo do monte Everest e ao pólo norte, mas ainda há 10 mil pontos de confluência não explorados sobre o solo em todo o mundo. Os pontos que caem em corpos aquáticos só contam se estiverem bem próximos de um litoral.
"Sempre precisa haver um ponto de orientação na terra visível nas fotografias do local", diz Vladimir, explicando as regras do projeto. Ele avalia todas as tentativas feitas na Rússia, decidindo se serão aceitas e publicadas no site. Todos os 48 pontos de confluência da Alemanha já foram visitados, e no resto da Europa somente alguns pontos continuam inexplorados, por exemplo, junto aos litorais de Portugal e da Noruega.
De repente Vladimir para e tira uma foto de pinheiros que cercam densamente seu caminho. Eles não constituem uma foto especialmente incrível, mas a paisagem não é o que importa - isto, diz Vladimir, é exatamente a metade dos 8,65 km de seu carro até o objetivo.
De certa forma, a viagem continua mesmo com o esqui quebrado. Quase todo passo afunda na neve, às vezes até o quadril. Mas desistir não é uma opção - o simples percurso de Moscou no rumo noroeste na camionete Ford de Vladimir levou oito horas. Depois veio uma noite no hotel Comfort, em Ustyuzhna, população 2 mil, onde o simples fato de haver água morna coloca o quarto na categoria "luxo". No dia seguinte, uma partida antes do amanhecer para o trajeto de esqui na região de Vologda.
"É diferente das caminhadas porque aqui devemos ir sempre em linha reta o máximo possível, em vez de seguir um caminho", diz Vladimir. O destino está gravado em seu aparelho GPS e uma flecha mostra a direção e a distância. Ainda faltam exatamente 2,11 km, quando Vladimir, com os olhos azuis alertas e a barba de um antigo filósofo grego, anuncia cerimoniosamente: "Agora estamos exatamente no meio do oceano".
Pântano nevado
Ele tira outra foto com sua câmera digital. Os arredores consistem em um campo nevado aparentemente interminável, com apenas alguns arbustos espalhados e galhos que se erguem como esqueletos na vastidão. "Oceano" é o nome do pântano, que hoje está enterrado sob meio metro de neve. O pântano é profundo? "Sim, bastante, certamente vários metros", responde Vladimir.
Mas esse fato não parece incomodá-lo. Afinal, não é ele que afunda na neve praticamente a cada passo. E seus pensamentos estão longe: "Ninguém esteve neste lugar antes. No verão é impossível chegar aqui, e no inverno não há absolutamente um motivo". Ele sorri feliz e continua pela paisagem branca em seus esquis largos de madeira. As presilhas de metal que unem suas botas aos esquis rangem a cada passo. Mais dois quilômetros. Depois apenas 995 metros, depois 500, 200. Nos últimos metros ele deixa a área do pântano e entra novamente em uma floresta espessa.
"Cem metros... conseguimos", Vladimir diz finalmente. Nesse raio a tentativa é considerada um êxito. Agora é a hora da "dança da confluência", a busca pela intersecção exata e a visão dos dez zeros no mostrador do GPS. Mantendo o olhar em uma bússola e no GPS amarelo ao mesmo tempo, Vladimir corre entre os arbustos, cai, levanta-se, faz algumas curvas em 90 graus e então para. Seu GPS mostra as coordenadas 59°00'00.0" N e 35°00'00.0" E. "Parabéns", ele grita, "seu primeiro ponto de confluência!"
Pinheiros cercam o lugar, com suas agulhas pesadas de neve. Realmente se parece com 59 N, 36 E, Vladimir admite. "Não é um lugar especial", ele diz, "é apenas virtual." Então ele atira dois fogos "Morte Negra" um depois do outro sobre o chão da floresta coberto de neve. O barulho rompe o silêncio como bombas explodindo. Vladimir comemora seu sucesso com um cigarro e uma barra de chocolate. Ele tira fotos nas quatro direções cardeais como prova para seu relatório online - esta é a 49ª vez que Vladimir Chernorutsky foi a primeira pessoa a alcançar um ponto de intersecção até então inexplorado. "Você tem de ser meio louco", ele admite. Então atira outra bombinha contra um pinheiro.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves